Tuesday, February 15, 2011

Executivo

Eduardo, que era também Edu ou Ed, às vezes olhava-se no armário do banheiro por horas a fios, tocando levemente as sombrancelhas, pensando não se sabe bem o quê. O vidro da janela via o prédio dos fundos, um pouco distante que podia ter gente. Não acreditava muito nos seus pensamentos, vizinhos da alucinação no seu próprio julgamento. E se tivesse um telescópio que o observasse? Alguém que olhasse e soubesse todos os seus movimentos no quadrado que mirava exatamente ele e sua imagem refletida. Talvez as flores dos azulejos da parede do banheiro e até seu próprio corpo, enquanto se banhava, mais uma vez, olhando-se o espelho. Excessos e gestos, o barbear, será que também seu canto?

Assim seguia o menino Ed, apelido de outros tempos, entre espelhos e pensamentos. Aos nove anos, encheu-se a mão de furúnculos purulentos, que nada podia tocar. Aos 12, esbarrou o pescoço a corda do varal numa queda de esquecimentos. Mas ele não enlouqueceu e tirou dez em matemática, português, história, geografia e até inglês. Passou de ano, orou o diploma, jurou ser feliz e entrou na faculdade, que depois não cursou. Entrou, entrou, saiu e uma hora formou.

Edu agora, dá expediente numa sala com paredes de vidro, de onde vê-se tudo e todos, câmeras nos corredores e um hall de entrada com um café confortável, celulares e laptops nas mesas, muitos ternos e sorrisos. Edu sorria também e depois do expediente ia ao bar. Socialmente, era um moço "normal". Declarava imposto de renda, andava de bicicleta e dormia com mulheres. O incomum de Edu era nos seus momentos consigo só.

Pensava no que as câmeras e máquinas de suas salas guardavam. Sua mania de coçar o nariz e tirar algo de dentro que viravam bolinhas guardadas sob a mesa? Seu olhar de descaso ao telefone ou a mirada impaciente ao relógio de pulso para almoçar ou sair. Normal, começava ali a insensatez de Edu. De terno e cabelos arrumados, um teco de gel espalhado sobre a mão e umedecidos com gotas da pia, sentia-se desnudo tal qual no banho visto pelo olho da janela.

Do menino Ed lembrava-se apenas dos tempos em que não tinha TV e antes nem luz. Um dia o irmão queimou o cabelo na chama do candeeiro. Nem computador havia, nem tantos botões agora familiares. Para quem tem tal passado, até que se acostumou rápido com eles. Agora Edu corria contra o tempo.

Abria emails vezes mil ao dia, conversas instantâneas, todo mundo perto e olhando-o seu tempo à internet, onde foi ontem, currículo e endereço, fotos de última viagem internacional num álbum virtual com poses óbvias sob torres, pirâmides, fachadas e muitas estátuas. Drummond escreveu um dia ser impossível amá-las, ao falar de elefantes e pulgas. À ele, um fio de gelo interno igual às escadas rolantes que só conheceu bem depois do tempo de menino. Edu agora é um ser estranho que vive com medo do tempo das coisas e das coisas do seu tempo. Umas teme, outras repele e com algumas convive, como estátuas e escadas rolantes.